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Quem financia o lobby do Alojamento Local?

Quem financia o lobby do Alojamento Local?

Esta semana, a Aliança Democrática apresentou o seu novo Programa de Governo. Nas questões relacionadas com a habitação, há uma clara vontade de desfazer o já pouco que o Partido Socialista aplicou no anterior mandato. Querem, por exemplo, revogar uma série de limitações legais ao Alojamento Local (AL), uma atividade com efeitos comprovados na crise de habitação em cidades grandes como Lisboa (fonte 1, fonte 2).

É curioso constatar que, nos últimos anos, todas as tentativas feitas para controlar e limitar os efeitos negativos do AL, têm sido rapidamente combatidas por um ruidoso lobby, com bastante poder mediático e capacidade de pressão política. Quem apoia logística e financeiramente o lobby do AL em Portugal e na Europa? Será este um movimento orgânico de proprietários, ou teremos por detrás dele forças poderosas que têm instrumentalizado o AL, escudando-se atrás de pequenos senhorios, para defender interesses bem maiores?

  1. Uma Campanha de Angariação de Fundos

Em Abril de 2023, era lançada uma campanha de angariação de fundos intitulada “NÃO DEIXAMOS MATAR O AL!”. Esta campanha surgia como resposta ao pacote legislativo “Mais Habitação”, do Partido Socialista, e tinha como objectivo “angariar recursos para […] iniciar uma batalha contra estas medidas que pretendem exterminar o alojamento local.”

Rapidamente saíram notícias sobre como um “grupo de proprietários de AL” se tinha juntado e angariado mais de 50.000 € em três dias. Mas terá sido assim tão orgânica e horizontal esta angariação? Uma análise mais cuidada da lista de donativos, presente na página oficial da campanha, mostra que a angariação foi em muito acelerada por grandes doadores – sobretudo empresas com interesses nos sectores do turismo e do imobiliário. Pelo menos sete dos maiores doadores (valor combinado de donativos de 10.750 €) são empresas de gestão de AL que, ou têm ligações a investimentos imobiliários para obtenção de vistos gold, ou anunciam nas suas páginas e redes como investir nestes vistos, ou até como contornar as recentes alterações da lei para continuar a usufruir do seus benefícios. Uma destas empresas é a Feels Like Home, a maior empresa de gestão de AL no país, que também conta com vários hotéis em Lisboa, na Ericeira e no Porto, bem como investimentos no sector imobiliário. Encontramos ainda empresas de diversas outras áreas, desde software de gestão de AL a agências imobiliárias ou empresas de investimento imobiliário.

Outros grandes doadores são os próprios organizadores da campanha e/ou membros da direcção da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). É o caso de Carla Costa Reis, organizadora da campanha, co-fundadora e ex-vice-presidente da ALEP, e fundadora de duas empresas ligadas ao turismo que doaram 2.800 €. Estão listadas pelo menos mais duas empresas, criadas por outros membros da atual direção da ALEP, que fizeram donativos de 1.000 € cada uma. Outro donativo de 1.000 € vem assinado por “Luciano Rodrigues”, que é o nome de um contabilista e assessor fiscal da ALEP.

Apesar de comunicado que a organização desta campanha era independente da ALEP, a verdade é que na própria página da campanha se revelava que “a gestão dos valores recolhidos […] será integralmente da responsabilidade da ALEP”. Uma das organizadoras da campanha é Carla Costa Reis, já mencionada anteriormente. Outro nome listado na equipa de angariação é Miguel Torres Marques, advogado e assessor jurídico da ALEP, gerente de uma sociedade de investimentos imobiliários, e antigo adjunto do Secretário de Estado do Turismo no governo socialista de António Guterres.

  1. O Outdoor em frente à Assembleia da República

Em Julho de 2023, era lançada outra grande manobra de marketing pelo lobby do AL em Portugal. Tratava-se de um cartaz intitulado “O ALOJAMENTO LOCAL TEM ROSTO”, afixado em frente à Assembleia da República, e onde figuram, segundo a página oficial, “mais de 200 fotografias de titulares e gestores do AL”. Este cartaz tentaria alertar para a existência de “mais de 60.000 famílias” que seriam afetadas pelas medidas do pacote "Mais Habitação”, ignorando, claro, tantas outras que, à custa do AL, foram despejadas dos bairros históricos de Lisboa, tiveram de encerrar as suas lojas e negócios, ou assistiram ao encerramento de serviços nos bairros, agora convertidos em parques de diversão para turistas.

Os agradecimentos pela ajuda na disponibilização e concretização do cartaz são feitos ao Instituto +Liberdade. O que é o Instituto +Liberdade? É um think tank liberal, criado em 2021 por nomes como Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente e atual deputado da Iniciativa Liberal, Adolfo Mesquita Nunes, ex-dirigente do CDS, e Carlos Moreira da Silva (fonte). Este último foi administrador da Sonae, é fundador e CEO da holding de investimento Teak Capital, e um dos dois maiores doadores do Instituto +Liberdade (cerca de um terço dos donativos) (fonte). A Teak Capital tem investimentos em várias áreas, incluindo no sector imobiliário, nomeadamente em residências privadas para estudantes no Porto e em Lisboa – onde podemos alugar quartos a 600 €, 700 € ou 800 € (fonte). Adolfo Mesquita Nunes foi Secretário de Estado do Turismo entre entre 2013 e 2015, grande defensor dos vistos gold e do estatuto de residentes não habituais, foi contra a taxa turística (fonte), e até respondeu aos grupos hoteleiros, quando criticaram o crescimento do AL, assegurando-lhes que “nenhum grupo hoteleiro está impedido de abrir um hostel” (fonte) (p. ex. registando-o como AL). Atualmente sabemos que vários grupos hoteleiros abriram unidades de AL por todo o país.

  1. Os Patrocinadores do AL e o Lobbying na União Europeia

Eduardo Miranda, presidente da ALEP, é também o chairman da European Holiday Home Association (EHHA), associação criada em 2013 para, segundo o site oficial, dar voz à indústria do alojamento local a nível europeu. Esta associação conta com vários membros, incluindo a ALEP e suas congéneres europeias, e também gigantes com a Airbnb ou o grupo Expedia.

Em 2018 foi publicado o relatório “UnFairbnb” pelo Corporate Europe Observatory, uma organização independente que investiga as atividades de lobbying ao nível das instituições europeias. Neste documento revelava-se como a Airbnb e outras empresas se associaram à EHHA para assegurar que a Comissão Europeia interpretaria a legislação para favorecer os seus negócios, e como usariam a própria comissão para atacar estados membros que legislassem de forma contrária a estes interesses. Em 2016, por exemplo, a EHHA apresentou queixas contra Espanha, Alemanha, Bélgica e França, por considerar excessivas as regulações feitas ao AL em Barcelona, Berlim, Bruxelas e Paris, respectivamente. Em Fevereiro de 2024, era noticiado que a ALEP, apresentaria em Bruxelas uma nova reclamação contra as medidas do programa “Mais Habitação”, considerando-as em conflito com a legislação europeia (fonte).

Na plataforma Lobby Facts é possível consultar os crescentes custos de lobbying da EHHA, AirBnb e do Grupo Expedia a nível europeu, bem como as várias reuniões que foram tendo ao longo dos anos com membros da Comissão Europeia.

Muitas destas grandes empresas são as mesmas que patrocinam os maiores eventos neste sector, como o Vacation Rental World Summit, um evento anual que reúne especialistas na área do AL. O principal patrocinador é a Vrbo, do grupo Expedia, mencionado anteriormente, um marketplace online para alugueres de curta duração semelhante ao Airbnb. Outros patrocinadores incluem a Airbnb ou a Booking.com. Relembramos que muitas destas empresas também operam no sector da hotelaria – em 2022 era noticiado que a nível europeu 44% das reservas de hotéis eram feitas através de empresas como a Booking.com ou o grupo Expedia (fonte). Outro grande patrocinador deste evento é o Homes & Villas by Marriott Bonvoy, do grupo Marriott, que é a maior cadeia hoteleira do mundo, em número de quartos (link).

Em Lisboa, sabemos o quão impactante tem sido o AL, juntamente com a explosão hoteleira e a especulação imobiliária, na escalada dos preços da habitação e na redução do número de casas disponíveis para morarmos. No Movimento Referendo pela Habitação (MRH), cientes dessa responsabilidade do AL, defendemos a aplicação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2022, de 10 de maio, para que, em Lisboa, onde existem mais unidades por habitante do que em Paris, Londres ou Amsterdão, uma atividade económica e turística como esta não possa ser permitida em casas com uso habitacional. A delimitação geográfica da nossa proposta tem razões legais – cabe aos municípios o regulamento da atividade do AL.

No MRH temos alertado para os abusos que se têm praticado neste sector, desde as grandes empresas que criaram prédios inteiros de AL, aos prédios vendidos para vistos gold e postos a render em AL, ou aos grupos hoteleiros que também entraram nesta corrida. Porque nunca ouvimos o lobby do AL, que afirma defender os interesses de pequenos proprietários, denunciar ou lutar contra estas situações? Depois deste artigo, cremos que a resposta é mais clara.

Lutar contra o AL em Lisboa é também lutar contra os interesses especulativos do mercado imobiliário e dos grupos hoteleiros. Só conseguiremos resolver a crise da habitação atuando em todas as frentes, incluindo no sector do Alojamento Local.

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