Relato da poderosa manifestação Casa para Viver, em Lisboa
A manifestação do dia 1 de abril foi uma grande demonstração não só do descontentamento popular em relação ao estado da habitação, mas também do imenso poder que temos quando nos organizamos coletivamente. Cerca de 30 mil pessoas percorreram o caminho da Alameda até à praça do Martim Moniz atrás de faixas, em cima de carrinhas e ao lado de companheires que desejam transformar o mundo para melhor.
No Movimento Referendo pela Habitação marchámos avenida Almirante Reis abaixo com uma energia de tons amarelos e roxos vibrantes. À nossa frente estavam os desalojados do PER dos bairros do 6 de Maio e de Santa Filomena, e logo atrás vinham os poderosos bombos dos Ritmos de Resistência. Em conjunto, gritámos muitas vezes a uma só voz que queremos uma “cidade para morar, não só para trabalhar” e que exigimos casas dignas para toda a gente. A Andressa e a Martina deram tanto da sua voz que até tivemos de ir comprar mais pilhas para os megafones a meio da marcha, ali perto da Praça do Chile.
No fim da Avenida, já na praça do Martim Moniz, juntámo-nos a vários coletivos para a feira da autonomia. Montámos a nossa casa-banquinha de recolha de assinaturas entre as Manas e a malta da campanha Parar o Gás, assim de lado para o mega palco onde já ecoavam palavras de revolta. Cá em baixo, a Raquel deu uma entrevista para a RTP e logo a seguir o Coro da Achada subiu ao palco para cantar músicas como aquela da “casa è di chi l’abita, è un vile chi lo ignora, il tempo è dei filosofi...” ou aquela da cidade que se vai entregando e que tem de se revoltar.
Entre música e vozes amplificadas, e até o sol se pôr, o Diogo e o Rui mantiveram-se incansáveis a conversar com quem se aproximava da banca do Movimento Referendo pela Habitação. Recolhemos centenas de assinaturas e trocámos contactos com novas pessoas para alargarmos este projeto comum que é implementarmos um referendo em Lisboa para que as casas sirvam para morarmos nelas.
Já de noite, por volta das 20h, aconteceu o momento mais tenso da manifestação. A polícia tinha interpelado duas companheiras no centro comercial Amanhecer Oriental quando estavam na fila para a casa de banho, pedindo-lhes a identificação. Uma delas não tinha ali consigo o seu bilhete de identidade, pelo que a polícia barricou o estabelecimento com toda a gente que estava dentro, incluindo trabalhadores, famílias e crianças. Nesse momento, as massas do lado de fora insurgiram-se exigindo que as companheiras fossem libertadas e houve
confrontos. Felizmente, não muito tempo depois a polícia soltou-as e logo dispersou, o que nos deu novo fôlego para continuarmos a festa que tínhamos planeado fazer no Martim Moniz.
Nessa grande festa que durou até à meia noite, participaram artistas do 2o Torrão, cumbieros e outros cantantes. O momento alto talvez tenha sido quando os djs The Chill Out Experiment puseram uma música do rapper punjabi Sidhu Moose Wala, oferecendo alegria e festa também aos migrantes sul asiáticos que ali estavam presentes. Porque a luta não se faz sem alegria! E porque também é melhor fazê-la de estômago cheio, acabamos este relato com um agradecimento especial às companheiras que cozinharam e ofereceram a deliciosa sopa da pedra que nos permitiu continuar a dançar noite dentro.
As casas são para morar e a sopa é para partilhar!